sábado, 18 de julho de 2009

CONSTERNAÇÃO NA ÉTICA E NA MORALIDADE DE PIANCÓ: MORRE EURIDES LIBERALINO, UM EXPOENTE DO CARÁTER


Este desalentado Piancó, tão já desfalecido pela contundência dos responsáveis pelo seu atraso; este desiludido Piancó, tão já desesperançado do advento de líderes sérios, verdadeiramente comprometidos com a sinceridade social e o bem comum; este decepcionado Piancó, tão já convicto de sua falsa moralidade política, forjada no engodo, na bajulação e na demagogia, vê-se, agora, ainda mais moralmente desfavorecido, pela morte - dia 11 deste mês de julho de 2009 - do memorável Eurides Liberalino de Souza (Mestre Eurides), exemplar referencial de probidade, serenidade e inteireza de caráter, em que Piancó precisa inspirar-se para redimir-se da culpa de persistir na indolência da retrogradação.

Foi-se Mestre Eurides dentre os que o tinham como modelo de homem de boa vontade, humilde, pacato e justo. E deixou-nos falta sua palavra branda, judiciosa, sábia. Sem seus conselhos e ensinamentos, Piancó ficou mais carente de discernimento, de esclarecimento, de luminosidade espiritual.

Rompeu-se o último elo que ligava o Piancó contemporâneo ao Piancó da década de 1920, e fundia-se nessas duas épocas como condutor e propagador do ideário do Padre Aristides.

Silenciou-se a voz que tão veementemente apregoava e enaltecia a bravura, a altivez e o senso libertário do destemido e valoroso sacerdote. Interrompeu-se a difusão da autodeterminação política do padre que deu a Piancó, em toda a sua história, a maior lição de exercício da cidadania, resistência e libertação.

Ao referir-se à afinidade de seu pai com o Padre Aristides Ferreira da Cruz, imprimia Mestre Eurides na expressão um cunho de especial reverência àqueles dois vultos históricos do Piancó da primeira metade do Século 20. Ressaltava-lhes notadamente o brio como patrimônio moral que ele tinha como sagrado.

Falava com acentuado fervor da perseverança de seu pai em ter, como filho de criação do Padre Aristides, prosseguido fraternalmente solidário para com os amigos e simpatizantes daquele célebre sacerdote político.

Tal qual seu pai Pedro Inácio Liberalino, Mestre Eurides inspirava-se ardorosamente na personalidade do Padre Aristides, a quem exaltava como consagrado herói, e seguia-lhe a linha de conduta, repudiando a injustiça social, o servilismo político e a covardia.

Revelava nobreza e hombridade na sua postura social, senso de retidão, justiça e magnanimidade. Era uma perfeita projeção moral de seu pai, que eu, ainda infante, também conheci, e que me dedicava atenção e amizade, narrando-me entusiasticamente pormenores do episódio da passagem da Coluna Prestes em Piancó, o que tanto me serviu para minha concepção de transformar tais fatos em atrativo turístico em prol principalmente dos pobres e dos excluídos. Mestre Eurides acalentou solidariamente comigo esse sonho, e exortou-me a persistir nele inabalavelmente.


Todos os que, como eu, conheceram a têmpera moral de Pedro Inácio Liberalino, e viu como se comportou Mestre Eurides em Piancó, não têm dúvida de que o filho seguiu louvavelmente o rastro do pai. Tendo tido seu caráter ainda mais avigorado pela convivência com o Padre Aristides, Inácio Liberalino (como era mais conhecido) deu ao filho Eurides o inestimável legado da dignidade, da credibilidade e da vergonha, predicados de que o Piancó atual tanto carece.

Distinguia Mestre Eurides a atraente capacidade de influenciar as pessoas pela suave expressividade do tato pessoal, pela delicadeza e mansidão. Sua presença irradiava ternura, singeleza, simplicidade, e disso lhe advinham o respeito e a admiração dos que o buscavam. Comedido, sensato e prudente, fazia-se ouvir atenta e prazerosamente pelos que lhe admiravam a modelar personalidade e honradez, como eu, que, tantas vezes, o ouvi discorrer sobre sua vida, sobre o Piancó de ontem e o de hoje, sobre as mudanças com que ele sonhava para Piancó.

E aprendi muito com ele. Lições de sua experiência de vida. Lições de seu aprendizado de convivência social. Lições de seu caráter. Preciosíssimas lições para mim, as quais não cheguei a ter de meu pai, por de mim ter-se ido ele tão cedo. Ricas lições de prudência, de sabedoria, de verdade. E aqui me associo à alegria dos familiares de Mestre Eurides, por ter tido eu, como eles, o privilégio de partilhar do tesouro da sabedoria humanística dele.

Revelava Mestre Eurides forte pendor para tudo o que dissesse respeito à arte de viver, à etiqueta, às normas da boa conduta. Era cavalheiresco, cordial, gentil, e falava com calma e moderação. Sua figura em qualquer ambiente de Piancó constituía uma marca de distinção pessoal. Em suma, era inquestionavelmente um vulto notável de Piancó.

Corte e costura, esporte, cultura, comunicação social, dança, música, contabilidade, política foram campos em que Mestre Eurides atuou talentosamente. Em todos ele fez a diferença.

Destacou-se como alfaiate de referência regional, pelo refinamento de seu estilo, vestindo elegantemente várias personalidades do Vale do Piancó. No futebol piancoense, foi um ícone como jogador, goleiro, juiz e técnico. Nas mais diversas manifestações culturais, sua opinião sempre produzia um belo resultado, graças a seu refinado senso estético. Como locutor, marcou época. Ouvi-lo, pela difusora, nos saudosos programas musicais por ele apresentados, era um deleite para a romântica sociedade piancoense de então. Nas festas, nos bailes, nos carnavais, era um símbolo de notável influência e atração, dançando habilmente todos os ritmos. Grandes dançarinos de Piancó inspiravam-se nele. Tinha um senso musical altamente apurado. Cantores como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Ângela Maria eram seus ídolos prediletos. Sua atuação na contabilidade foi um exemplo de seriedade profissional. Na política, como vereador, tentou mostrar uma nova imagem de homem público, mas sentiu como isso era difícil em Piancó. Não foi suficientemente compreendido, pois o sistema político lhe era indiferente a suas ideias de mudança.

Culminando a manifestação de sua brilhante personalidade, Mestre Eurides, ao lado de sua esposa Isabel, edificou uma família que é digna de nota na história de Piancó, pela conduta, pela idoneidade, pela formação.

Mas, apesar de sua vida exemplar e harmoniosa, Mestre Eurides não negava sua indignação e decepção diante de certos procedimentos políticos de Piancó, discordes dos que ele aprendera com seu pai. A prudência, entretanto, o refreava de externar seus protestos e críticas, mas não escondia seu descontentamento.

Chegou a confessar-me seu desapontamento por compreender que a política conservadora era a causa principal do atraso de Piancó. E, certa noite, ao conversarmos sobre o continuísmo político de velhas lideranças daqui, e analisarmos as consequências disso, ele, na mansidão que tão lhe era peculiar, proferiu-me, pausadamente, esta sentenciosa expressão (felizmente por mim taquigrafada), que bem merece ser tomada como memoração – por ele almejada - da dignidade do Padre Aristides, como um grito de comando, como uma divisa de reação e resistência:

“A causa principal da decadência de Piancó tem sido sua política conservadora. Aqui falta um líder corajoso, sincero e independente, capaz de romper com o continuísmo do sistema dominante, e comandar a população na construção de um novo Piancó. Depois do Padre Aristides, não surgiu ninguém que fizesse isso. Piancó precisa de um libertador!”

Seu brado libertário, Mestre Eurides, não terá sido em vão. Os que têm senso de vergonha e dignidade perseverarão impassivelmente na luta e empenho constantes contra os que usurpam Piancó. Deus tudo pode, e talvez Ele tenha permitido que o libertador de Piancó já esteja entre nós...

2 comentários:

John Waggoner disse...

Meste Eurides foi um Herói verdadeiro.

Eu digo que Eurides, o quem eu tinha a honra de conhecer certa vez, nao era Herói do mundo externo. Ele era Herói de um mundo infinitamente maior, o universo do moral.

Em minha visão inconsequente, a vida dele foi símbolo da vitória de Fé sobre Morte, pois as qualidades dele inspiram até hoje a gente que fica aqui.

Como foi escrito, a nossa cidadania nao é meramente civil:

“Filhinhos, sois de Deus e já os tendes vencido, porque maior o que está em vós do que o que está no mundo.” 1 João 4.4.

Antonio Liberalino disse...

Caro Chico Jó,
Agradeço, emocionado, as tão profundas palavras escritas por voce neste Blog.
Este seu amigo Antonio Liberalino(o Peralta) te agrade do fundo do coração toda essa honraria que voce dedicou ao meu querido Pai (Mestre Eurides).

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